"Estou deslumbrada com o Benfica"

Samara Vieira chegou um pouco antes da hora marcada para a entrevista. Alegre, comunicativa e com uma presença que se faz imediatamente notar. Como em campo, onde intimida as suas adversárias pela sua força física e que lhe granjeou a alcunha de "A Parede".

Após a sua chegada ao Benfica, à equipa feminina de andebol, acentuou o seu perfil de eficaz na defesa e de fulminante no contra-ataque. Uma autêntica gladiadora que contagiou as colegas, influenciando-as com o exemplo que dá nos treinos e nos jogos. Apaixonada pelo futebol, a universal lidera um projeto de uma academia na sua terra, Natal, e confessa que o prestígio do Benfica no mundo foi um chamariz a que não pôde voltar as costas. Até porque mantinha o sonho de jogar em Portugal.

A entrevista decorreu em estúdio, no programa Protagonista, e estendeu-se um pouco mais, já num contexto mais informal.

A CHEGADA AO BENFICA

"Podia ter acontecido mais cedo, depois das Olimpíadas, onde participei com a seleção do Brasil. Fui contactada pelo Clube, e endereçaram-me esse convite. Na altura, não tomei logo a decisão, porque precisava de resolver algumas coisas na minha vida, mas fiquei sempre com aquela sensação de que ia acontecer. Há muito tempo que tinha esta ideia de jogar em Portugal, queria ter essa experiência, e, em novembro, acertámos tudo, e eu vim para o Benfica em dezembro. Estava escrito que seria jogadora do Benfica, fui muito incentivada pela minha família, que conhecia o meu sonho de jogar na liga portuguesa, e pelos meus amigos, aos quais já tinha confessado esse meu desejo. Tudo correu bem, graças a Deus, e pude juntar-me a este grande clube."

O CHAMAMENTO DO BENFICA

"Sabe, eu sou fanática de futebol, gosto muito de futebol, além do andebol. Então, como fã do futebol, eu conhecia o Benfica, o seu nome, a sua grandeza. E também sabia que era um clube que apostava muito nas modalidades e nas suas equipas femininas. Quando cheguei, já conhecia tudo do Clube, da equipa, que era bicampeã nacional, que tinha a melhor equipa portuguesa. Isso também me incentivou a vir, porque o nome do Benfica mexe logo contigo. E, assim que cheguei, conheci o Estádio e fiquei deslumbrada com as condições que o Clube oferece, os pavilhões, o staff, a estrutura."

GLOBETROTTER DO ANDEBOL

"Já joguei em muitos países, principalmente na Europa, na Roménia, que tem a melhor liga feminina de andebol, na Turquia, na Alemanha e no Egito, no Al Ahly. E posso garantir que não vi em lado nenhum condições como as que o Benfica tem. Ganhei tudo o que havia para ganhar na Roménia e na Turquia, joguei na liga alemã, que, não sendo tão forte como a masculina, é uma liga mais competitiva que a portuguesa, e no Egito, no maior clube de África, num país que está a fazer uma aposta no andebol feminino, para igualar o masculino, que, nos Jogos Olímpicos e Mundiais, já se bate com as melhores seleções do mundo. Vivi isso tudo, mas o que encontrei no Benfica supera o que já vivi. São condições de excelência."

COMEÇO DIFÍCIL

"Eu entrei na equipa em dezembro, já com o Campeonato a meio, e a equipa a precisar de uma revigorada. E, fora das quadras, também não foi fácil, porque, apesar de a língua ser a mesma, as pessoas, em Portugal, são muito atenciosas, mas são mais reservadas do que no Brasil. Eu, pelo contrário, sou muito expansiva e ao início tive essa dificuldade. Mas ajudou que no Benfica fui recebida muito bem, pelo treinador, que me explicou o que pretendia de mim, pelas minhas colegas, que viram em mim uma jogadora que chegava para ajudar e, pelas minhas caraterísticas físicas, poderia ajudar a equipa. E sinto que ajudei, sobretudo na defesa, porque sou alta e forte, e acabei contagiando as minhas colegas. Tornou-se muito difícil para as outras equipas marcar-nos golos. As coisas foram acontecendo, a equipa foi-se ajustando à minha presença, eu fui conhecendo melhor as minhas colegas e, sendo eu uma jogadora da defesa, senti que ajudei a equipa a dar um salto na forma como defendia. E isso, no andebol, é muito importante. Não é só marcar o golo, temos de evitar que o golo entre na nossa baliza. Eu sou esse tipo de jogadora, e quero acreditar que ajudei a equipa a crescer defensivamente."

TALENTO NA LUZ

"O grupo é constituído por jogadoras muito jovens, algumas delas estão ainda numa idade de aprender, mas surpreendeu-me um pouco o talento que encontrei no plantel. Existe muita qualidade e muita vontade de continuar a evoluir. O nosso treinador é muito focado nessa evolução das jogadoras, mas há muito potencial no plantel. Jogadoras que ainda serão, no futuro, melhores e, quem sabe?, prontas para uma carreira internacional. Mas o Benfica tem aqui uma base de jogadoras, e outras, na formação, que podem garantir ao Clube muitos anos de vitórias e até tornar a equipa mais competitiva na Europa. Já na época passada, disputou uma eliminatória com o Bera Bera, de Espanha [EHF European League Women], até ao fim."

ANDAR NA EUROPA

"Acredito que o Benfica pode ser competitivo na Europa. Há uma diferença física entre as jogadoras das boas equipas europeias e as portuguesas, mas creio que, com trabalho, pode ser superada. O Benfica faz isso, com as jogadoras mais novas, e eu própria, com o estilo que tenho, posso ajudar a diminuir essas diferenças. Mas creio que esse défice físico não explica tudo. Eu tenho a esperança de que o Benfica, no próximo ano, consiga bons resultados, e é possível sonhar, porque neste clube só se pensa em ganhar. Já joguei em várias ligas europeias, na liga romena, a melhor liga de andebol feminino, e acredito que a nossa equipa pode ser competitiva. Vamos ver o que conseguimos fazer, mas o nível que atingimos já é alto."

LIGA COMPETITIVA

"Eu creio que a liga portuguesa é competitiva, mas ainda pode evoluir. Há equipas que causam problemas ao Benfica, mas, claramente, a nossa equipa tem mais argumentos. E não apenas individuais. A equipa está muito bem trabalhada pelo nosso treinador, que veio do andebol masculino, que trouxe ideias muito positivas e as conseguiu aplicar. Sinto que ainda posso acrescentar mais, porque o conhecimento que tenho das minhas colegas vai aumentar, e também elas me vão conhecendo melhor. Estou muito tranquila no Benfica, adoro o Clube, adoro a equipa, e a liga portuguesa satisfaz-me. Sinto que estou no auge da minha carreira, e jogar num clube destes é muito gratificante."

O NATAL É TODOS OS DIAS

"Como disse, sou apaixonada pelo futebol e tenho um projeto ligado ao futebol e a crianças desfavorecidas. Já temos 150 meninos e meninas a treinar nessa academia, em Natal, que é onde nasci, e onde tenho a minha família. Tenho a ajuda de várias pessoas e conseguimos montar esse projeto, que ajuda meninos e meninas mais desfavorecidas e, ao mesmo tempo, dá oportunidades fora do seu contexto social, que só o futebol permite. O próximo passo é ter equipas de competição, e o projeto está a consolidar-se. Quem sabe se, um dia, não teremos um jogador vindo dessa academia a jogar aqui no Benfica? É um clube muito conhecido no Brasil, e as pessoas sabem que sou jogadora do Clube, e isso faz os mais jovens sonhar. Até pode ser que estabeleça uma parceria com a academia do Benfica, que é uma das melhores do mundo. Mas temos de dar um passo de cada vez. O projeto ainda está a dar os seus primeiros passos."

Artigo publicado na edição de 20 de junho do jornal O Benfica