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Canoagem
04 outubro 2024, 10h10
Fernando Pimenta exibe medalhas conquistadas
Está no Benfica desde 2018. Que balanço faz desta união?
É, sem dúvida, um balanço extremamente positivo. Não consigo contabilizar o número de medalhas internacionais que conquistei a partir desse momento, mas foram muitas, nomeadamente a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio e vários títulos mundiais, aliás, a maioria dos meus títulos mundiais foi conquistada justamente após esse momento em que celebrámos a união entre o Fernando Pimenta e o Benfica. O carinho que tenho recebido, não só por parte das estruturas do Benfica, mas também por parte de toda a família Benfiquista, sócios, adeptos e simpatizantes, tem sido uma experiência muito enriquecedora e muito motivadora.
Um dos aspetos que vêm com esta união são aquelas homenagens de Estádio da Luz cheio. Qual é a sensação, para alguém que não é futebolista, de ter um estádio inteiro de pé a aplaudi-lo e a reconhecê-lo como um herói?
É gratificante podermos ter esse momento de sermos recebidos em casa, na nossa bonita Catedral, com o estádio, na maioria das vezes, cheio, que é isso a que nós estamos habituados enquanto Benfiquistas, e receber esse carinho por parte dos adeptos do Benfica acaba por ser um momento único, de nostalgia. Por mais vezes que vá ao relvado receber essa homenagem, acabam por ser sempre momentos marcantes. Quase dá o arrependimento de não ter ido para o futebol para viver e experienciar esta sensação mais vezes. A perna treme um bocadinho quando há aquela ovação.
Falando de heróis da multidão, estes costumam ter alcunhas, como Pantera Negra, Monstro Sagrado, que toda a gente sabe quem são, mesmo anos depois de terem deixado de competir. Gostava de ter uma alcunha dessas? Qual poderia ser?
Não sei, ser tratado pelo meu nome, Pimenta, já leva a que exista um reconhecimento daquilo que estamos a fazer, a construir, a conquistar. O mais importante é, quando se falar de Pimenta, falar-se de canoagem, de Benfica, de resultados, títulos, superação, espírito de sacrifício, resiliência, humildade, isso é aquilo que espero, um dia, quando terminar.
O nosso jornal, uma vez, apelidou-o de Torpedo de Ponte de Lima, por a forma da embarcação fazer lembrar esse engenho, pela velocidade que atinge na água… Acha que podemos continuar a chamá-lo assim?
[Risos] Acho que é giro, e o resultado é destruir os adversários, não é? [Risos] Também houve uma altura em que me apelidaram de Red Cap Boy, por eu utilizar sempre o boné vermelho nas competições, também seria giro.
A sua última medalha foi conquistada recentemente na Croácia, a de tricampeão do mundo de maratona de K2, repetindo as conquistas de 2022 e 2023, ao lado de José Ramalho. Que sensações vêm com ela? É mais "um dia no escritório", ou continua a ser especial?
Continua a ser especial. Todos os títulos têm sempre um significado bastante especial, são momentos únicos, precisamos de superação, de trabalhar imenso para os conseguirmos. E quando chegamos a estas competições e atingimos estas marcas, e continuamos a estar ao mais alto nível, mesmo depois de, pós-Jogos Olímpicos, ouvir comentários infelizes a dizer que o Pimenta já estava velho, que era melhor retirar-se, estes resultados, se calhar, deixam essas pessoas a pensar duas vezes.
Falou na idade. Aos 35 anos, o corpo já lhe pede descanso, ou tem ideias de ser o mais velho canoísta em atividade?
Na vertente de K1 1000 metros, já sou um dos mais velhos, só há um esloveno mais velho do que eu. Neste momento, o meu corpo só quer descansar um pouco, recuperar desta longa e difícil época, e depois voltar ao ativo, sentar-me com o treinador, planear a próxima temporada, o próximo ciclo olímpico.
"Houve uma altura em que me apelidaram de Red Cap Boy, por eu utilizar sempre o boné vermelho nas competições"
Fernando Pimenta
Como será depois de "pendurar a pagaia"? Já pensou nisso?
Vou pensando. Sinceramente, não é uma coisa em que goste de pensar muito, leva-me as lágrimas aos olhos, porque vai ser um dos piores dias da minha vida quando disser que já não sou um atleta de alta competição. Estou tão habituado à adrenalina e ao sentimento de querer mais e melhor, de sentir o bichinho da competição, o ambiente das provas, que depois acaba por deixar essa nostalgia. Mas gostava de fazer algo mais pela canoagem, pelo desporto nacional. No pós, gostava de continuar ligado ao desporto, não logo como treinador, porque precisarei de um tempo para recuperar também dessa fase, e, se quiser ser treinador de alta competição, vou ter de ter o mesmo estilo de vida que tenho agora enquanto atleta, e tenho abdicado muito da família, que é uma das coisas que mais me custam.
Onde é que estão guardadas as quase duas centenas de medalhas? São quantas exatamente neste momento, faz essa contabilidade?
Estão enfiadas dentro de saquinhos, por anos, é lá que a minha filha carinhosamente guarda as medalhas. Umas estão em minha casa; outras, em casa dos meus pais, andam assim um bocadinho espalhadas. São 149 internacionais. Em termos domésticos, são mais de 60 títulos nacionais, depois há os 2.º e 3.º lugares em menor quantidade, e as Taças de Portugal, mas as contas ficam só para as medalhas internacionais.
Uma curiosidade. Em que consiste um pequeno-almoço de Fernando Pimenta antes de uma manhã de treino?
No dia anterior, preparo logo as papas de aveia, ficam a fazer durante a noite. De manhã, junto-lhes o mel, a canela, às vezes uma raspa de limão para dar um pouco mais de sabor, posso adicionar uma proteína se achar que necessito. Um bocadinho de pão torrado com queijo fresco, fiambre e uma compotazita, e não dispenso um bom café.
E um dia normal de treino como é?
Estamos a falar de duas a quatro sessões de treino por dia, e isto sete dias por semana, embora ao domingo faça só uma sessão, mas o normal são mesmo as duas a quatro sessões diárias. Estamos a falar também de 11 meses do ano, non-stop, não há férias de Natal, não há Natal, não há passagem de ano, nem Páscoa, são dias de trabalho iguais a todos os outros. Normalmente, é acordar cedo, tomar o pequeno-almoço, primeiro treino na água, depois comer alguma coisa, recuperar, fazer um segundo treino de corrida ou bicicleta, e, da parte da tarde, treino de ginásio.
É muito diferente dos dias de competição?
Sim, num dia de competição é só acordar, preparar, mentalizar e atacar a prova. A rotina pré-competição é, basicamente, tomar o pequeno-almoço bem cedo, ir para o local da prova 2 horas antes, fazer um pré-aquecimento na água mais ou menos 1h20 antes, e depois começar a preparar tudo para a prova.
Nesses dias de competição, que técnicas de concentração utiliza? Tem uma playlist de músicas, algo assim do género?
No trabalho que faço com a minha psicóloga, tento visualizar aquilo que quero fazer em prova. Normalmente, fazemos isso já na competição ou na pré-competição. Ajuda a manter-me mais focado. Depois, a música depende um bocadinho se preciso de me ativar mais mentalmente ou não, se já estou bem ativo. Quando oiço música, é mais virado para a eletrónica. É aquilo que me faz despertar mais sentidos e aumenta o nível de adrenalina. O mais importante é aumentar o ritmo cardíaco e colocar intensidade na parte do aquecimento.
"Estamos a falar também de 11 meses do ano, non-stop, não há férias de Natal, não há Natal, não há passagem de ano, nem Páscoa"
As pessoas podem pensar que um canoísta treina principalmente os membros superiores, mas há muito mais que isso, não há?
Sim. A canoagem é uma das modalidades mais completas. Nós durante o trabalho de caiaque, durante o treino e competição, trabalhamos muito as pernas. Fazemos bastante trabalho de corrida e bicicleta de forma a complementar esse trabalho e melhorar essa disponibilidade de força de pernas. Existe também muita coordenação entre pés, pernas, bacia, tronco, braços e até, às vezes, a posição da cabeça e do próprio tronco. É muito mais técnico e global do que aquilo que as pessoas pensam, que é só à base da força dos braços. Existe muita força no resto dos músculos de todo o corpo, e é, por isso mesmo, uma modalidade bastante exigente.
Neste momento, qual é a sua distância preferida?
Gosto de competir nas várias distâncias: os 500 metros porque é uma competição super-rápida, bastante explosiva, os 1000 metros porque é uma prova olímpica e a prova-rainha na canoagem, e os 5000 metros porque é uma competição de muita estratégia, de resistência, foco e concentração para se saber atacar e defender nos momentos-chave. Depois, gosto também da maratona porque é uma prova mais demorada, onde temos de gerir muito bem o esforço.
Qual é a maior diferença para um canoísta entre uma embarcação de K1, K2 ou K4?
No K1, basicamente, estamos sob a nossa alçada, sob o que nós fizermos. Se trabalharmos muito e bem, os resultados aparecem ou podem aparecer. Se trabalharmos mal, o resultado muito dificilmente aparecerá. Gosto do K1 porque me coloca à prova em todas as vezes que entro nessa embarcação. Depois, nas embarcações coletivas, o K2 e o K4, gosto de competir muito nessas porque é o trabalho em equipa. Temos de nos sincronizar ao máximo para chegarmos o mais rápido possível à meta e da melhor forma. Deixa-me motivado competir em embarcações coletivas, no K2 e K4, porque estou a partilhar o momento com outros Benfiquistas ou portugueses.
Tem dois filhos, imagina-os a seguir as suas pegadas, ou melhor, as suas remadas, ou não deseja de todo essa vida de sacrifício para eles?
Não faço questão de que os meus filhos sigam a canoagem, porque sei aquilo que passei para chegar até aqui. Sei o que existe de benefícios e prejuízos, ou seja, consigo reconhecer provavelmente que há modalidades que conseguem ter um retorno e reconhecimento maior. Se eles forem para a canoagem, vão ter sempre o peso do nome Fernando Pimenta. Espero é que eles sejam felizes e ativos, quer seja a praticar desporto de alta competição ou de lazer. Gostava que encontrassem uma atividade em que eles tenham qualidade e se identifiquem.
Que conselhos daria aos jovens canoístas que estão agora a começar e que o têm como uma referência?
Os conselhos que posso dar aos mais novos que estão agora a iniciar-se na canoagem é que se divirtam e tenham sonhos. Sobretudo que sejam felizes e que tenham esse tipo de objetivos, de estar com um grupo de amigos saudável, de se manterem ativos, e depois trabalharem muito. A canoagem é uma escola para toda a vida. Temos uma das maiores salas de aula do planeta, que é a nossa natureza, os nossos rios, os nossos lagos e o nosso mar. É um local fantástico para aprendermos, não só como atletas, mas mesmo em termos humanos para a nossa sociedade.
Outra curiosidade. De vez em quando, surgem imagens das suas mãos calejadas no final de uma prova. Como é que se recupera depois?
É com mais treino. É voltar à rotina de treino. A única forma para conseguirmos recuperar é voltar ao foco e ao trabalho. É sempre bom olhar para as mãos e ver os calos, porque é sinal de que tenho feito um bom trabalho.
"Quando oiço música, é mais virado para a eletrónica. É aquilo que me faz despertar mais sentidos e aumenta o nível de adrenalina"
Falando de feridas e de recuperações, é inevitável, vamos ter de falar disto. Aquele sonho do ouro olímpico não aconteceu em Paris. Como é que lidou com isso?
Mal. Muito mal. Foi daquelas provas que mais me magoaram, que mais me partiram o coração. Sentia que podia ter feito melhor, mas não consegui, por alguns fatores. É algo que agora tenho de analisar com o meu treinador friamente no final da época. Infelizmente, na canoagem, temos só aquela oportunidade, aqueles 1000 metros, para mostrar todo o nosso valor, e eu não consegui colocar todo o meu valor, tudo aquilo que fiz naqueles 1000 metros. Tenho a certeza de que dei o máximo, mas que aquele meu máximo não foi a minha melhor versão. Agora tenho de me focar é no futuro.
Los Angeles, em 2028, não é impossível, pois não?
Acho que é muito possível. Vai depender, não só em termos físicos como em termos mentais. Agora esta próxima fase é recuperar, descansar e depois voltar em força com entusiasmo para lutar pelo objetivo.
Qual é a sua agenda, que provas estão na calha, que objetivos estão na mira?
Tenho de recuperar e descansar. Esse é o primeiro grande objetivo. Depois tenho o Europeu de Maratonas, que será em Ponte de Lima, minha terra natal, em que espero ter o apoio de muitos Benfiquistas e dos portugueses. Será fantástico ter os familiares e os amigos a apoiar.
O que não faz quando está de férias?
Não faço dieta nem treino. Tudo aquilo que faço durante a época desportiva é aquilo que eu não faço durante as férias. Evito ao máximo a atividade física e tento de certa forma desfrutar um bocadinho daquilo que não consegui desfrutar nos outros 11 meses.
Uma mensagem para os Benfiquistas.
Quero agradecer. É, sem dúvida, fantástico ir a todos os cantos do mundo, ver a camisola do Benfica e ser reconhecido como o Fernando Pimenta, o campeão do Benfica. Fico bastante orgulhoso e motivado por sentir o carinho deles, quer nos momentos bons, quer nos menos bons. Tem um sentimento especial, e espero continuar a sentir esse carinho dos Benfiquistas. É para isso que gosto de vestir o manto sagrado.
"É, sem dúvida, fantástico ir a todos os cantos do mundo, ver a camisola do Benfica e ser reconhecido como o Fernando Pimenta, o campeão do Benfica"
Tem alguma história engraçada de uma abordagem de um Benfiquista?
As histórias engraçadas é, basicamente, estar a competir pela seleção nacional e ouvir o "Carrega, Benfica". Já está no nosso ADN sentir o "Carrega, Benfica" ou o "Benfica até morrer". É sempre um momento bonito sentir esse apoio. Tenho algumas histórias... Ainda há pouco tomava o pequeno-almoço, e veio um senhor cumprimentar-me, dar-me os parabéns. Disse-me que só tinha pena de uma coisa, que era eu usar a pala do chapéu para trás [Risos], porque o filho via-me como exemplo e também usava a pala do chapéu para trás. Disse-lhe que tem tudo que ver com uma questão de imagem que ganhei e valorizei em relação a mim e ao mundo do desporto. Também sou conhecido por usar a pala dos chapéus para trás. São histórias muito giras.
Artigo publicado na edição de 4 de outubro do jornal O Benfica