"Ganhar é um vício neste clube"

Os últimos três anos, vividos na República Checa, deram a Nivaldo Gómez uma perceção climática muito diferente daquilo a que estava habituado em Cuba. Não havia praias, sol, calor nem as belezas naturais próprias do Caribe.

Em vez das areias quentes e das águas cálidas das Caraíbas, o internacional cubano enfrentou as primeiras neves e as ruas caiadas de branco, numa silenciosa adaptação que necessitou de fazer, para não cair no rendimento nem nas esquecidas agruras da vida.

E não caiu. O Benfica assinalou o jogador para o reforço de um plantel que não esgota as suas ambições de vitória, e trouxe os 200 centímetros de Nivaldo para elevar ainda mais o ataque e o bloco da equipa tetracampeã.

Nesta semana, Nivaldo esteve no Protagonista, da BTV, deixou-nos a história de um atleta que soube superar-se nas dificuldades e, agora, manter-se humilde quando os escaparates mediáticos lhe tentam enfunar as velas da fama.

PRIMEIRO TÍTULO

"Foi uma sensação maravilhosa, com o pavilhão cheio e um adversário muito valoroso, na final. Foi o meu primeiro título pelo Benfica, e agora quero mais. Quero ser como esta equipa, que se viciou em títulos. Foi algo que aprendi assim que cheguei ao Benfica e a esta equipa. A vontade de vencer, não interessa quantos títulos já conquistaste, interessam mais os que ainda podes conquistar. Agora, já posso dizer que conheço essa sensação. Não estava habituado a essa exigência, a um grupo tão capaz, com imensos jogadores de qualidade muito alta. Ganhámos a Taça de Portugal, que o Clube tinha perdido na época passada, e agora reconquistou-a. É importante para nós, os jogadores, o treinador, mas é muito importante para o Clube."

MELHOR PONTUADOR

"Fiz 18 pontos, e isso cria impacto nas pessoas, que valorizam muito as estatísticas. Mas as pessoas devem reconhecer que, no voleibol, as estatísticas são importantes, mas inseridas num contexto coletivo. De pouco adianta marcares 18 pontos se a equipa não tiver uma boa receção, se o bloco não funcionar ou se o passador não colocar a bola para os atacantes fazerem o ponto. O voleibol é um desporto muito coletivo, onde todos dependemos uns dos outros. Claro que fiquei contente por ter contribuído com 18 pontos para a nossa vitória, mas a equipa, toda ela, funcionou bem. Estamos em boa forma, os dois jogos que fizemos demonstram isso, e a forma como resolvemos os problemas, de modo coletivo, foi o que nos fez conquistar o troféu."

ADAPTAÇÃO

"Não posso dizer que foi fácil, porque, no início, há sempre um tempo para conhecermos a equipa e para a equipa nos conhecer. No voleibol, isso é muito importante e, mais longe, é isso que nos vai permitir melhorar o nosso jogo. A exibição que fiz, na final da Taça, possivelmente não seria capaz de a fazer no início da temporada. Os meus colegas não conheciam o meu jogo, a minha impulsão, a forma como ataco a rede, e eu não conhecia a forma deles de atuar. É tudo muito coletivo, as peças têm de encaixar todas, e no início foi difícil, sim. Até porque vim cair numa equipa campeã, com um nível diferente daquele a que estava habituado, a jogar a Liga dos Campeões, onde estão as melhores equipas da Europa, e senti essa dificuldade. Mas, treinando com tantos jogadores de uma qualidade tão alta, fui percebendo o que poderia acrescentar à equipa, e agora sinto-me completamente integrado e adaptado. E tem outro fator, que não é tão visível, mas que influencia o rendimento de um atleta. Esta equipa é uma família, e as condições que o Benfica nos oferece são incríveis. Não tem como não evoluir e não nos sentirmos em casa."

O CAMPEÃO VOLTOU CONTRA O SPORTING

"Sentimos que, nas últimas semanas, demos um clique, que foi mais mental até do que de rendimento. Foi quando ganhámos em Alvalade. Tínhamos perdido os três jogos anteriores com eles e, quando lá fomos jogar, sentimos que muita coisa se jogava. A vitória na fase regular, que é sempre tão importante, mas a forma como os adeptos olhavam para nós e até a forma como nós olhamos para nós próprios. E demos uma resposta incrível, mesmo quando estávamos a perder 2-1 em sets, não nos desunimos. Esta equipa, mesmo em momentos difíceis, nunca entra em pânico, e conseguimos virar o jogo a nosso favor. Sentimos que tínhamos tudo nas nossas mãos para ganhar a fase regular, como viemos a fazer, e sentimos algo ainda mais importante. Que fomos ao pavilhão do nosso maior rival dizer que 'o campeão voltou', e demos esse sinal para os jogadores e para a equipa do Sporting. Acho que, ali, começou um Campeonato diferente e, de novo, com o Benfica a liderar o processo. Foi determinante a forma como encarámos o jogo e como encarámos as dificuldades. Fizemos um grande jogo, e a partir daí tudo ficou mais claro para nós. Dependíamos só de nós para vencer a fase regular, e todos sabem a importância que isso tem. Estamos cada vez mais motivados e, depois de um período de várias lesões, temos os jogadores recuperados e a entregar à equipa a sua melhor versão."

O PLAY-OFF DE CAMPEÃO

"Acho que estamos preparados para enfrentar os jogos do play-off, e neste domingo temos o primeiro em casa. Não considero que seja diferente, por ser o primeiro do play-off, acho que diferente foi o da final da Taça, devido à tensão, à ansiedade. Era um jogo em que não podias falhar, senão perdias a competição. Foi o jogo mais difícil, do ponto de vista da mentalização, que tivemos nesta temporada, porque era uma final. No play-off, serão várias finais, dentro de cada eliminatória. Sei que o Benfica, habitualmente, chega em grande forma a esta fase do Campeonato, e acredito que nesta temporada será igual. Sinto que a equipa está muito bem, está muito confiante, e a conquista da Taça de Portugal aumentou a motivação. Acredito que vamos estar num nível muito alto e que vamos lutar para dar mais esta satisfação aos nossos adeptos. A partir daqui os jogos serão mais difíceis, mas também estaremos mais preparados. Temos jogadores com muita experiência destas fases finais, com muitos títulos conquistados."

GRANDEZA DO BENFICA

"É um clube grandioso. Por causa do seu futebol, claro, mas a forma como trata as modalidades ainda o torna maior. Em Cuba, os meus amigos fazem-me perguntas sobre o futebol, sobre o estádio. Já lhes mandei vídeos do estádio cheio, e o ambiente é uma loucura. É realmente incrível, o voo da águia, o espetáculo antes da entrada das equipas. Isso é realmente bonito, e em Cuba sentem muita curiosidade em relação ao Benfica. Não sendo um adepto incondicional do futebol, também tive o meu ídolo, e era o Ronaldinho Gaúcho. Era um jogador incrível, e cresci a admirá-lo. Claro que sei quem é o Messi ou Ronaldo, mas foi o Ronaldinho que me encheu as medidas, pelo talento, pela irreverência. E, no Benfica, temos o Di María. Quem não conhece o Di María, quem não gostaria de estar ao lado dele, jogar ao lado dele? Um dos melhores do mundo e joga no mesmo clube que eu. Em Cuba, para os meus amigos, os meus familiares, isto tem um significado muito especial, porque Di María é um dos ídolos."

MELHORES ADEPTOS

"Foi uma das coisas que mais me surpreenderam no Benfica. No futebol, são completamente loucos, e aquele estádio cheio é algo de assombroso. Mas também nas modalidades. Ainda agora, em Matosinhos, na final da Taça de Portugal, outra vez eles, em grande número, sempre a apoiar-nos. Na Liga dos Campeões, jogámos na Eslovénia, na Bélgica, em Itália, e, quando entramos em campo, lá estão eles, a cantar e a gritar pelo Benfica. Da primeira vez, até me belisquei, porque não estava a acreditar no que estava a acontecer, mas um companheiro de equipa disse-me logo para me habituar, porque 'isto é o Benfica'. É realmente incrível e, para quem chega ao Clube, isto é tudo uma novidade. E surge a pergunta: Mas que clube é este? E, depois, não param de incentivar e parece que sabem sempre o momento em que estamos a precisar da ajuda deles, do incentivo."

Artigo publicado na edição de 14 de março do jornal O Benfica